Regina Porter usou ‘Game of Thrones’ para narrar relações raciais nos EUA | Manual da Mulher
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Regina Porter usou ‘Game of Thrones’ para narrar relações raciais nos EUA

“Hoje eu vejo que era uma questão de escala. De não se limitar em termos de formato e de estilo”, diz Regina

 Quando sua chefe recomendou que ela lesse a saga que deu origem a “Game of Thrones” para ajudar na preparação de seu livro, Regina Porter ficou sem entender.

A obra que a autora escrevia, sobre famílias comuns nos Estados Unidos do século 20, não parecia ter nada a ver com aquilo. “Hoje eu vejo que era uma questão de escala. De não se limitar em termos de formato e de estilo.”

A comparação fica evidente para quem abre “Os Viajantes”, o romance que trouxe Porter à Flip -ela conversa com o romancista brasileiro Jeferson Tenório neste domingo.

Logo no começo há uma lista de nomes e afiliações dos personagens. A árvore genealógica que Porter desenha é frondosa e diversa. Ali se descrevem vidas íntimas marcadas pela evolução das relações raciais dos anos 1950 até 2010.

Porter conta que buscava capturar a sensação de personagens entrando e saindo da vida dos outros como numa porta giratória. “Sabe quando você conhece uma pessoa uma vez, tem uma impressão, e depois a encontra mais tarde e vê alguém bem diferente?”

Ela estruturou o livro em flashes ao longo de 60 anos de história americana -cada capítulo se centra num personagem ou núcleo e funciona quase como um conto independente.

E o nível de contato entre os personagens varia. Há saltos de capítulos que mudam o enfoque da água para o vinho; outros permitem observar o que pensa o filho, a mulher ou a amante de uma pessoa a que já nos afeiçoamos mais cedo. É uma costura delicada.

As famílias que a obra acompanha são compostas de pessoas brancas e negras, com as mais diversas ocupações e frustrações. “Às vezes começava a escrever um personagem e não sabia qual seria sua raça ou seu gênero, até que vinha como um clique”, afirma.

Enquanto algumas histórias lidam com a violência racial de forma mais lateral, outras têm nela partes essenciais das tramas -uma batida policial que termina com um estupro, um homem que desenvolve um rancor agressivo por seus vizinhos negros.

“Queria mostrar como, às vezes, quando as pessoas de diferentes raças se encontram, é por algum tipo de tragédia. Pense em como George Floyd eletrizou a todos. Houve uma resposta coletiva. Mostrou como às vezes vivemos ao lado uns dos outros, e é só por uma tragédia que os grupos passam a interagir.”

Mas a história não chega a alcançar a última onda do Black Lives Matter. Porter decidiu parar nos começo do governo Obama e, quando ouve uma pergunta sobre como as coisas evoluíram a partir dali, diz que em certos sentidos “ainda estamos tendo algumas das mesmas conversas que tínhamos desde a Guerra Civil”.

Se ela vê que as relações raciais se deterioraram, a escritora diz que isso também foi a faísca para mobilizar jovens em defesa das vidas negras.

“Estamos vendo um conflito entre os que querem que o tempo volte para trás e os que querem corrigir os erros de nossos antepassados. Mas é do caos que sai uma oportunidade para nos iluminarmos.”