Dan Stulbach analisa machismo em personagens na Globo | Manual da Mulher
Site Overlay

Dan Stulbach analisa machismo em personagens na Globo

Dan Stulbach analisa machismo em personagens na Globo

O ator estará em “Filhas de Eva”, série disponível no Globoplay

Dan Stulbach, 52, já teve sua cota de homens tóxicos na televisão. Em 2003, ele pautou o debate nacional sobre o tema como o Marcos de “Mulheres Apaixonadas” (Globo). Ficaram no imaginário popular as cenas na qual o personagem agredia a própria mulher, Raquel, vivida por Helena Ranaldi, com uma raquete de tênis.

Em “Filhas de Eva”, série disponível no Globoplay e que chega à TV aberta nesta terça-feira (12), seu personagem, Kleber, é bem mais sutil. Porém, se por um lado não há violência física, as diversas microagressões do dia a dia fazem dele um companheiro longe do ideal para Lívia, interpretada na trama por Giovanna Antonelli.

O ator admite que os dois papéis têm alguns elementos em comum. “Há semelhanças no sentido do egoísmo, da autorreferência constante, da dificuldade de ouvir o outro e só pensar em si, do machismo, de querer se impor, de ter uma estrutura de relacionamento onde isso de autoalimentava”, afirma à reportagem. “É uma equação muito triste.”

Ao longo da trama, Kleber vai trilhar um caminho que Marcos jamais ousaria. “De alguma maneira, ele quer mudar, ele entende que está errado”, adianta o ator. “O Marcos não se entendia, muito pelo contrário, ele achava que o mundo estava errado, e não ele.”

Para o ator, é esse ponto é fundamental para entender esses dois homens. “As pessoas acham que mudar de ideia é um sinal de fraqueza”, lamenta. “Essa incapacidade de mudança acho que é uma diferença entre os dois personagens.”

Na série, Kleber e Lívia são ambos psicólogos. Quando ela é convidada para dar entrevista em um programa de TV, ele desdenha. Isso faz com que a mulher desista de participar. Kleber acaba ocupando a vaga dela e ainda colhe os louros por conceitos que ela criou a partir de sua prática clínica.

Antonelli conta que nunca passou por uma situação como a de Lívia, de se anular por causa de um homem. Porém, ela dá um conselho para quem está passando por uma situação assim. “Diria [a essa pessoa] que a liberdade não tem preço”, afirma. “Quebrar paradigmas, contrariando o senso comum, é bom demais!”

A atriz antecipa que a personagem passará por uma grande transformação depois que a mãe dela, Stella (Renata Sorrah), pedir o divórcio do pai. “A partir daí, o mundo de Lívia também começar a ruir, os castelos que ela criou vão desmoronando e suas fichas começam a cair”, diz. “Suas inseguranças e fraquezas vão se transformando em força e aprendizado.”

O casal, porém, tem outro obstáculo a superar. É que Kleber se envolve com Cléo, personagem de Vanessa Giácomo, que vira amiga de Lívia e não sabe que os dois são casados. Apesar disso ocorrer em um momento de extrema vulnerabilidade para a mulher, Stulbach acredita que há espaço para um final feliz entre eles.

“Sempre há”, avalia. “O tamanho dos traumas e a profundidade e o aprendizado que a gente tem deles fazem com que, às vezes, a gente encontre a felicidade separados, e às vezes voltando, mas numa nova formação; e, às vezes ainda, numa ‘nova velha’ formação, porque a gente não consegue escapar daquela velha estrutura em que estava antes.”

“A felicidade nesse caso é absolutamente relativa”, diz. “Às vezes pode ser um simples bem-estar e, outras vezes, pode ser uma absoluta evolução, mas alguma evolução sempre há. No caso deles dois, eu acho que sim, porque há um aprendizado, uma mudança, dos dois lados.”

O ator disse que a experiência de participar de uma produção com um olhar tão feminino foi enriquecedora. “O aprendizado de poder enxergar a partir de um outro olhar, outro ponto de vista, é algo que arte te proporciona, como leitor, espectador e como ator também, porque a gente vive aquilo realmente”, celebra.

Ele conta que, no caso de personagens como o dele, um homem a princípio tóxico, é preciso cuidado para não julgá-lo, o que pode gerar uma tentativa –mesmo que inconsciente– de tentar transformá-lo em alguém melhor do que realmente é. Especialmente quando a postura de criador e criatura são diametralmente opostas.

“Então, há o aprendizado da pessoa e o aprimoramento do trabalho do ator, que são dois caminhos absolutamente diferentes”, compara. “No sentido de que eu quero, defendo, partilho de um mundo melhor, com condições iguais e respeito a todos. E o personagem tem um outro entendimento, absolutamente diverso do meu.”

O ator se diz otimista com relação à forma como tipos como o personagem têm sido percebidos na sociedade. “Acho que a gente caminha para que homens assim tenham menos espaço, sejam menos valorizados e tenham menos força”, afirma. “Ainda bem.”

Ele também acredita no papel da dramaturgia em trazer esse tipo de discussão à tona, seja em 2003 ou em 2022. “Na verdade, esse é o princípio de quase todo artista, pelo menos foi o meu”, conta. “Eu acredito, por experiência própria, que o entendimento pode vir através da palavra, através do outro, mas a transformação do indivíduo, para mim, só vem através da arte.”