Como Kali Uchis explodiu ao desafiar sua gravadora para cantar em espanhol | Manual da Mulher
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Como Kali Uchis explodiu ao desafiar sua gravadora para cantar em espanhol

Como Kali Uchis explodiu ao desafiar sua gravadora para cantar em espanhol

Bem recebido pela crítica, “Isolation” revelou Uchis como habilidosa cantora de um R&B moderno

Quando Kali Uchis decidiu gravar um álbum cantando em espanhol, sua gravadora americana, a Interscope, abriu mão de trabalhar na divulgação do trabalho. “Minha gravadora realmente não queria”, ela diz. “Na verdade, meu contrato dizia que apenas discos cantados em inglês contariam para eles. Então, disseram que eu estaria por conta própria, que não teria apoio, pois não constava no contrato.”


“Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios)” saiu no fim do ano passado, dando sequência ao álbum “Isolation”, de 2018, majoritariamente cantado em inglês. Mas se o disco de três anos atrás serviu para posicionar Uchis como um dos nomes em ascensão da música alternativa americana, foi cantando em espanhol que ela rompeu a barreira do mainstream.


“Sin Miedo” levou a cantora a se tornar a primeira mulher em quase dez anos a alcançar o primeiro lugar da parada latina com uma música sem participação de americanos –o hit improvável “Telepatía”. A faixa também chegou à décima posição entre as músicas em alta no mundo, segundo a Billboard, fora as centenas de milhões de reproduções no streaming.

“Estava pensando que seria meio que um projeto pessoal, uma paixão. Era algo que eu realmente queria fazer. Achava que faria muito menos sucesso que ‘Isolation'”, diz Uchis, que nasceu nos Estados Unidos mas, filha de pais colombianos, viveu entre os países durante a infncia e adolescência.


“Isolation” posicionou Uchis no mercado americano, com participação de jovens estrelas do hip-hop e do R&B da Costa Oeste, como Steve Lacy, guitarrista do The Internet, Thundercat e Tyler the Creator, além da britânica Jorja Smith. O disco também levou a cantora à escalação do Lollapalooza Brasil de 2020, que foi cancelado devido a pandemia de coronavírus.


Mas, hoje, ela confessa que não escuta mais o álbum. “Ouço apenas a música que estou fazendo agora. É que nem quando você olha para uma foto sua no ensino médio, tipo as roupas que você usava e as pessoas que estavam com você. Não sei, mas não é como você se sente agora.”


Bem recebido pela crítica, “Isolation” revelou Uchis como habilidosa cantora de um R&B moderno, suave e esteticamente rico. É um trabalho que passeia organicamente por influências da música eletrônica, do soul e do funk americanos.


Em “Sin Miedo”, a cantora continua a mesma, mas todo o entorno está diferente. Ela abre com vocais graves e um bongô, evocando um bolero cubano dos anos 1960 popular com o grupo Los Zafiros, “La Luna Enamorada”. Daí em diante, Uchis reimagina seu universo a partir de um olhar latino que aparecia apenas de maneira tímida no trabalho anterior.


“Sei que só canto uma música em espanhol no primeiro disco, mas isso é uma parte muito grande de mim. Cresci e fui à escola na Colômbia, então aprendi a ler e a escrever em espanhol antes de saber inglês. E tive essa experiência de crescer em dois países diferentes, ir à escola em países diferentes, e de ser uma cidadã desses países. Não era só uma questão de identidade, mas, artisticamente, de explorar todas essas dimensões que existem em mim.”


Essa experiência de vida ao mesmo tempo que torna Uchis uma artista única, acabou dificultando sua inserção na indústria fonográfica. “Sei que ‘Isolation’ foi sucesso de crítica, mas nunca foi um sucesso do mainstream”, ela diz.


“Não tinha música tocando na rádio, nunca tive, eles sempre me disseram que eu seria uma artista de nicho, porque não me encaixo em nada. Tipo, todo mundo falava ‘ela é daqui ou de lá?’, ou ‘isso tem muitos gêneros diferentes envolvidos’, ou então ‘a voz dela é muito estranha’. A conclusão é que eu seria algo de nicho. Disseram que eu teria minha base de fãs, mas nunca daria lucro.”


Curiosamente, “Telepatía”, ao contrário das previsões dos executivos da gravadora, acabou se infiltrando nas rádios pop dos Estados Unidos, junto ao sucesso no TikTok. Recentemente, apareceu como a quinta música em ascensão nas rádios do país, atrás apenas dos maiores nomes do pop atual, Billie Eilish, Dua Lipa, Lil Nas X e Ariana Grande.


“Foi muito surpreendente quando ‘Telepatía’ virou esse sucesso. Meu objetivo com o disco era só mostrar lados diferentes de mim mesma, expandir meu alcance vocal e o que eu poderia fazer com a música. Explorar também a música latina de um jeito diferente e homenagear a música que cresci ouvindo. Comecei como artista visual, fazia músicas para acompanhar meu trabalho. Nem achava que me tornaria uma cantora profissional.”


Apesar de cantado em espanhol, “Sin Miedo” não soa como o reggaeton contemporâneo de Bad Bunny e J Balvin, a música latina que tem entrada e influência no mercado americano. Ainda que Uchis tenha trabalhado com Tainy, produtor de diversos hits do ritmo nos últimos anos. “O conheci antes de ele ficar famoso. Ele é meio antissocial, e eu também. Então, nos demos bem.”


O resultado é que Uchis acabou chegando a países que não têm o hábito de ouvir música latina. “Imagina, na Inglaterra a gravadora não tinha uma divisão de música latina. Isso nem significa nada pra eles. E acabou tocando em lugares tipo Irlanda, países da Ásia, por exemplo. E tocno rádio mesmo sem soar como uma música de rádio.”


Ela também conta que ouviu pedidos para que “Telepatía” tivesse o andamento acelerado –para que soasse como um reggaeton. “Eu disse que não faria isso. Queria mostrar a música latina de um jeito diferente dessa que toca no rádio. Se eu mudar minha música para encaixar em normas do rádio, não estarei inovando. Só artistas entendem isso, as pessoas da indústria não pensam nessas coisas.”


Aos 26 anos, Kali Uchis diz que ouvia música brasileira na infância, e continua fã dos sons do país até hoje, principalmente de bossa nova e funk. Cita Astrud Gilberto como influência no jeito de cantar, mas também diz que admira Anitta e agradece o caminho aberto por brasileiros que fizeram sucesso no exterior para a música latina.


Também conhece Rita Lee, mas por causa de “Telepatía”, cujo refrão tem uma letra bem parecida com “Mania de Você”. “Meus fãs brasileiros me mostraram na hora!”, ela diz. A colombiana também diz que “melhor não comentar” sobre colaborações com artistas brasileiros, mas sabe-se que Pabllo Vittar é fã dela –e a admiração é mútua.


“Nunca esperei me tornar uma estrela pop. Não gosto dessa cultura de celebridades. Tento ignorar que essas coisas existem e fazer o que gosto. Para uma mulher latina, eu sempre tive um teto de onde eu poderia chegar. Achei que seria underground a vida inteira. Ver que ‘Sin Miedo’ foi o único disco de uma mulher latina a entrar na parada americana me deixa impressionada. Quero cantar o sentimento de uma geração, estar ligada no que acontece no mundo.”